domingo, 9 de maio de 2010

Metendo a colher na vida alheia

Há muito tempo que venho percebendo que as pessoas não conhecem o limítrofe entre o que é pessoal e o que é social, o que é privado e o que é coletivo. Existe uma inversão de valores que pelo menos a mim, sempre incomodou muito.


Dia desses, durante a festa de casamento de um grande amigo meu, um dos convidados simplesmente agrediu a namorada grávida. Eu defendi a garota e me prontifiquei a testemunhar contra o agressor, disse que faria questão. Algumas pessoas me criticaram e disseram que eu não deveria me meter na vida deles, que isso era briga de casal. Algumas pessoas me disseram que não deveríamos levar o caso à polícia porque ele era nosso amigo. Me revoltei, é claro! Não tem essa! Violência não é problema pessoal de ninguém, é um problema social e deve ser combatido como tal. O agressor alegou que ninguém tinha o direito de se envolver na vida dele. Eu pensei: “engraçado... ninguém deve se envolver na vida dele, mas ele pode envolver todos nós na covardia dele, ele pode estragar o casamento do amigo, ele pode desrespeitar o dono da casa... o direito à privacidade só vale para encobrir o ato dele, mas não vale para proteger as outras pessoas, principalmente a namorada agredida, dos impulsos violentos do sujeito.” Eu acho inaceitável que esse pensamento de “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” ainda habite a cabeça das pessoas.

Outro dia fui mostrar à minha mãe que os novos inquilinos que criam passarinhos na gaiola (o que já vem me incomodando desde que eles chegaram), cobriram uma das gaiolas e o pobre do passarinho ficava parado na única brecha descoberta da gaiola. Ele estava claramente sofrendo, mais ainda do que já sofre normalmente por viver trancafiado numa gaiola. Eu pedi a minha mãe que falasse com a vizinha, já que minha mãe tem mais contato com ela, que o passarinho estava sofrendo e que talvez fosse melhor descobrir a gaiola ou mudar o bichinho de lugar. Isso porque não posso denunciar ao Ibama, porque os vizinhos já mostraram a licença. Minha mãe mandou eu não me meter na vida dos outros. Me revoltei, é claro! A única vida que estava em jogo ali era a do passarinho. Não tenho que me omitir diante de uma situação de injustiça ou opressão cometida pelo alheio, porque injustiça não é uma questão individual de ninguém, é problema meu, é problema nosso.

Outra coisa que me desperta a indignação é a falta de educação das pessoas em espaços públicos. Muita generosidade... compartilhar fumaça de cigarro, fumando no mesmo espaço (qualquer lugar que não seja a casa do fumante) que pessoas que não optaram pela vida tabagista e que deveriam ter assegurado seu direito de não ingerir nicotina. Se eu quiser fumar, eu compro um maço de Malboro e fumo. Não preciso pegar carona no câncer alheio. Acho que as campanhas antitabagistas deveriam abandonar o papo de que cigarro faz mal para o fumante, e se concentrarem somente nos não fumantes, que são os verdadeiros interessados. Além da nicotina, também há os generosos que compartilham vírus no ônibus, tossindo desprotegidamente na cara da gente; os que compartilham suas conversas de celular falando altíssimo em meio às outras pessoas; os que compartilham seus gostos musicais duvidosos em espaços coletivos, ao invés de usarem fone de ouvido; os que compartilham o lixo que seu consumismo inconsequente produz largando a sacola de mercado na praia; e por aí vai...

Definitivamente o povo brasileiro é muito generoso. Adora tornar público o que não interessa (vide revistas e programas de fofocas de “celebridades”) e se omite diante do que realmente é de interesse público. Não consigo entender essa nossa lógica: Se o cara agride a companheira = problema dele; se um cara é homossexual = problema nosso; se a pessoa não respeita a integridade física de um animal = problema dela; se a pessoa opta por fumar = problema nosso; se a pessoa é morta pela polícia = problema dela; se a garota vai para a faculdade de saia curta = problema nosso; se há crianças nas ruas viciadas em crack = problema delas; se a fulaninha de tal da novela se separou do fulaninho de tal da seleção = problema nosso.

Será que para que tomemos como problema nosso um caso de violência de gênero, a vítima tem que ser a Luana Piovani ou a Rihanna? Olhe em volta. Há muitas Marias, Cristinas e Anas precisando que você meta a colher, o garfo e a faca na vida delas. O que não falta no mundo, são situações de injustiça clamando para que metamos a colher nelas. Até quando vamos ignorá-las em pról do que não nos diz respeito?

4 comentários:

  1. Curiosamente, no exato instantante em que terminei de ler esse seu post, começou o programa da loiruda e o tema é justamente sobre os fofoqueiros profissionais e vida(alheia?!) das celebridades.
    No blog de um escritor muito interessante(Eduardo Martins) o post mais recente também trata do assunto do que é pessoal e do que é social.
    Interessante como essa questão esta tendo foco atualmente. Talvez pela visão de alguns de "que estamos todos no mesmo barco", em face da questão do meio ambiente, e por outro lado, pelo aumento da facilidade em se acessar a vida alheia com todos esse sites de relacionamento e realits shows.
    O que você falou mesmo.
    Interessante, Mary: Uma abordagem mordaz(chega-me a assustar-me, rsss...) e bem articulada(que muito me fascina).
    Beijos!

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  2. Meter a colher é complicadíssimo, mas nada justifica a violência, ainda mais a uma grávida. Como a farinha tá sempre pouca, o feijão tá sendo disputadíssimo. Quem quer olhar p/ o lado nessa competição? Às vezes, esquecemos que quem tá do nosso lado são pessoas que amamos e que já fez muito pela gente, nossos pais, por exemplo. E a máxima do "você para mim é problema seu" impera, mas quando a corda aperta para nosso lado sabemos muito bem a hora de reinvindicar.
    Bjo de "um escritor muito interessante"

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  3. Mais uma vez um ótimo texto e uma questão boa para se pensar a respeito.Infelizmente não temos um povo que exerce sua cidadania da maneira como deveria ser.Somos condecendentes com a mediocridade,e omissos com a injustiça.

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  4. Nesse caso, até eu me meteria, senão ia ficar me sentindo conivente com o caso...

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