Natal... o dia mais melancólico do ano. Dia em que os solitários se sentem mais solitários, os miseráveis se sentem mais miseráveis, os explorados se sentem mais explorados, e por aí vai.
Natal é tempo de renovação. Renovação da fome, da desigualdade, do capitalismo, do consumo alienado, da exploração do homem pelo homem, da indignidade humana...
O natal deveria existir para celebrar o amor de Deus revelado através de Jesus Cristo. Mas eu não vejo Deus em mesas fartas contrastando com panelas vazias, ou em luzes de natal contrastando com terras indígenas alagadas por alguma hidrelétrica, ou em um rebanho de consumidores vorazes entre jingles natalinos da Coca-Cola, da Leader Magazine e do mercado Guanabara. Jesus é usado como desculpa para Papai Noel (filha da puta!) invadir nossas chaminés inexistentes e levar nosso dinheiro e nossa dignidade dentro de seu saco sem fundos que ele esconde no porta-malas do seu trenó voador, puxado pelas renas sorridentes (nossa, mais alguém viu isso? Acho que botaram algo na minha bebida.). Além do mais, ninguém me convence que Jesus é capricorniano.
Estava vendo TV agora mesmo e me indignei com a covardia de uma cena: um homem vestido de Papai Noel distribuía presentes a crianças pobres e uma senhora humilde chorava dizendo que ele era uma bênção na vida dela porque ela não tinha dinheiro pra comprar um presente para o filho. Pensei: capitalismo selvagem tá aí. A pobre senhora, assim como a maior parte da civilização ocidental, é levada a crer que tem alguma obrigação comercial no natal, que seu amor pela sua família é medido por sua capacidade de presentiá-la, fazendo com que ela se sinta culpada e até envergonhada por não poder realizar esse ideal capitalista. Isso é muita covardia! Esse é o momento em que Jesus irado destrói o templo e diz que em sua casa não deve haver comércio.
Eu nunca acreditei no bom velhinho, graças a um ódio de infância que minha mãe nutre pelo velho porque uma vez quando era criança lá na roça, pediu o ano inteiro pra ganhar uma boneca, foi uma boa menina, e no final das contas ganhou um guarda-chuva. Enquanto isso uma filhinha de papai que tinha escrotizado o ano todo ganhou uma boneca. Minha mãe, com sangue nos olhos, pensou algo mais ou menos assim: “Papai Noel (filha da puta!) rejeita os miseráveis! Eu quero matá-lo! Aquele porco capitalista. Presenteia os ricos, cospe nos pobres!” Desde então ela vem disseminando a discórdia entre o bom velhinho e o mundo.
Meus pais alugaram uma casa para uma empresa que trouxe um grupo de dez trabalhadores da construção civil que vieram do Maranhão em busca de trabalho. Tudo que eles possuem de seu são suas mochilas de roupas e seus colchonetes. Estavam tristes, longe de suas famílias que não vêem há meses, não podem enviar presentes aos seus filhos. Eles enfrentam essa realidade todos os dias, mas caso consigam suportar, existe o natal pra fazer a gente se lembrar o quão fudidos nós somos. Como se desse pra esquecer. Deve ser por isso que todo mundo enche a cara no natal (beber pra esquecer). Além é claro da quase imposição de se estar com o coração cheio de amor e felicidade (beber porque está alegre). É proibido ficar triste no natal. A tristeza é obrigada a entrar em recesso de Dezembro a Fevereiro. Mas foi bom tê-los por aqui neste natal, saí da rotina natalina de ficar na internet depois de comer panetone e fofocar com as vizinhas, e fui jogar “toco” com eles.. É uma espécie de sueca maranhense. Acho que conseguimos nos divertir. Mais um natal superado.
E o que dizer daquele que é o mais esperado do ano? O belíssimo, magnífico: espírito natalino! Bem, o famoso espírito natalino é um caboclo canastrão que teima em baixar em meio mundo no natal. Do alcoólatra que fica um dia sem bater na mulher ao mega empresário que destina 0,001 % da renda das vendas de sua comida gordurosa para as criancinhas com câncer, todo o mundo ocidental é acometido por essa entidade, que desaparece com a mesma rapidez com que surge.
Eu proponho o exorcismo do caboclo, bem como propus (sem sucesso) um apagão na noite de natal, para nos lembrar que vivemos uma crise energética e uma era de escassez de recursos naturais e que portanto é no mínimo irracional insistirmos em pisca-pisca e árvore de natal da Lagoa. Isso já era! Entramos num novo estágio! Já é hora de reinventarmos nossos hábitos.
E o pobre do chester? Quem foi o o nazista que inventou o chester? Já não chega toda a crueldade que a indústria da carne derrama sem dó sobre os animais? Ainda tem que inventar uma nova espécie pra isso? O chester é o cordeiro sacrificado dos dias de hoje. Na minha casa não entra chester. Minha mãe adotou a causa.
Mas a maior incógnita do natal talvez seja a rabanada (...). Eu não sei quem foi a pessoa super esperta que inventou um pão duro, cheio de açúcar, frito, que diz a lenda fica mais gostoso no dia seguinte, mas tenho certeza de que essa pessoa foi quem lançou a moda da pegadinha. Rabanada certamente é a piada mais bem sucedida da história. Todo mundo acreditou que era sério e continuam comendo essa porcaria até hoje.
Bem, eu como uma boa “mal amada” que sou, poderia ficar aqui horas jogando no ventilador toda a merda da maior festa cristã desse mundo Judas, mas natal é tempo de alegria. Então o que me resta é curtir um pouco do maior sucesso natalino de todos os tempos, “Papai Noel (filho da puta!) Velho Batuta, dos Garotos Podres, e ansiar por mais uma “noite feliz, noite feliz...”