sábado, 27 de março de 2010

Quem desinventou o amor? Me explica por favor. - A lenda da mágoa iminente

Ok, personas, este humilde e anárquico espaço esquecido nos confins da Web não é só dedo na ferida, aqui também há lugar para divagações mais... digamos... enfim... afetivas, se é que vocês me entendem. Tudo bem, tudo bem, é isso mesmo. Após três meses de silêncio, a primeira postagem de 2010 vem para, como diria o síndico Tim Maia, “falar de amor, somente de amor”.

Eu tenho uma indagação a fazer: quem foi a primeira pessoa, na história da humanidade, que magoou e desapontou alguém que a amava? Essa eu não sei responder, o que eu sei é que seja lá quem tenha sido, sua atitude reverbera até hoje e cada vez mais nas relações afetivas das pessoas.

Você ainda se lembra de como você era aberto, cativante, esperançoso e confiante no amor, quando você era adolescente? E o que aconteceu de lá pra cá? Aposto que tudo começou quando você se envolveu com uma pessoa pra quem você doou o melhor de si, e que acabou te magoando tão profundamente que você não quis dar outra chance ao azar e, ao se envolver com a pessoa seguinte, pagou na mesma moeda. Essa segunda pessoa, fez o mesmo com outra, que fez o mesmo com outra... que fez o mesmo com outras... que até fizeram o mesmo com você novamente... E enquanto isso, a lenda da mágoa iminente se espalha entre nós, como uma espécie de vírus incontrolável, passando por cima dos sentimentos de bons e maus, desinventando o amor.

De quantos possíveis bons amores você já abriu mão temendo a mágoa iminente? E quantos você já destruiu antes que a mágoa iminente o fizesse? Quantos relacionamentos alheios você já abalou ou fez desmoronar acreditando que se a mágoa iminente não poupa ninguém, não vai ser você quem vai poupar? Por quantas pessoas já chorou? Quantas já fez chorar? Quantas vezes se convenceu de que o amor está morto ou nunca existiu, e que se existe, não vai com a sua cara? E quantas vezes já voltou atrás? Quantas pessoas você já contaminou com o vírus da mágoa iminente? Toda vez que nos sentirmos decepcionados por alguém, ou que tivermos medo, ou que não conseguirmos sentir nada, devemos nos lembrar que todos nós temos dado nossa parcela de contribuição para que isso acontecesse, e que no meio da “sacanagem” de outra pessoa, existe uma pitadinha da nossa também.

A verdade é que todos nós queremos acreditar em algo, mesmo que esse impulso positivo esteja escondido, trancado num baú empoeirado, nos porões do nosso íntimo. Todos queremos sentir algo, mesmo quando desejamos sinceramente arrancar nosso coração do peito e jogar numa lixeira pra ele não causar problemas indesejáveis. Todos nós queremos poder um dia confiar a alguém que mereça, a nossa lealdade, com o mesmo desprendimento com o qual o fazíamos quando éramos inocentes. Mas por covardia ou auto proteção, nós evitamos, nos fechamos, desmoralizamos o amor e profanamos todas as suas vertentes. É verdade que ele não vive mesmo dando mole por aí, se oferecendo, mas é verdade também que sempre tem um momento em que ele te encurrala num canto, te chama pra conversar, e é nessa hora que, em grande parte das vezes, podemos ver pessoas que são perfeitamente certas umas para as outras, que se querem de verdade, que querem acreditar umas nas outras, recuarem. Elas provavelmente jamais saberão que o que elas queriam e sentiam e pensavam, era exatamente a mesma coisa, mas por não terem mais forças para acreditar, depois de tantas mágoas, tantas traições, tantas decepções, tanta frieza, elas nunca se deram a chance de viver e reinventar o amor, o seu próprio amor. É... porque o amor não é um bem de consumo com um manual, amar é justamente tudo o que não é o contrário disso, é a anti-corrupção humana. Por isso, não devemos nos ater a esses papos caretas de que homens são assim, mulheres são assado, monogamia não existe, lealdade é coisa de cachorro, etc... Todas essas máximas são subterfúgios que usamos para justificar nossa própria, desculpem, “falta de culhão” e falha de caráter pessoal.

Estamos indo por um caminho triste e obscuro, coberto por insegurança, mesquinharia, mediocriodade, rancor (admito minha enorme contribuição nesse quesito), mentiras e vinganças pessoais. Será que deixar de sentir é mesmo a melhor solução? Será que não existe a menor possibilidade de revermos tudo isso? Será que não podemos parar de julgar uns aos outros superficialmente? Será que sempre vão existir os “personagens clássicos” das relações como as conhecemos? Como a mulher boba, dependente, pegajosa e manipuladora que geralmente é identificada como namorada ou esposa; o homem mentiroso, frouxo, indelicado e infiel que geralmente é identificado como namorado ou marido; a mulher de personalidade forte, convicções próprias e espírito livre que é geralmente identificada como amante em potencial (alguém que você acha que vai aliviar o tédio da sua vidinha burocrática e sem paixão, sem cobrar nada em troca) e nunca namorada ou esposa; a mulher cínica, bem humorada, hora inteligente, hora comum ou vulgar, que geralmente é identificada como amante de fato; o homem sensível, confuso e amável que é geralmente identificado como corno. E por aí vai... Será que vamos continuar sempre encenando esses mesmos papéis, nos atribuindo funções sociais que não escolhemos? Precisamos mesmo continuar seguindo com a reprodução desse mais do mesmo? Vamos continuar nos relacionando mal e porcamente uns com ou outros simplesmente por medo da solidão, representando a idéia de amor como algo medíocre? Nenhum de vocês está no seu limite ainda, não? Porque se estiverem, vamos precisar de um esforço coletivo para poder nos convencer de que – recorrendo mais uma vez ao meu guru Belchior - “amar e mudar as coisas interessa mais.”

A única questão é: quem tem coragem de ser o primeiro a se habilitar?


(A imagem é do filme "Amores Possíveis" e o título é uma homenagem aos 50 anos do maior "ídolo" que já tive na vida, Renato Russo, o cara que compôs a trilha sonora da minha vida.)